''Quando acertamos ninguém se lembra, quando erramos ninguém se esquece''

domingo, 9 de maio de 2010

PROFESSOR no país das maravilhas

Ao encerrar o primeiro bimestre do ano letivo de 2010, eu fechei as chamadas notas bimestrais dos alunos a quem ministro aulas. Para minha surpresa, 150 alunos, do total de 895 discentes que assistem minhas aulas, ficaram com notas azuis. Fiquei feliz no mesmo instante, pois há muito tempo eu não tinha um número tão alto de alunos com notas azuis. Todos os anos somos obrigados a camuflar a situação destes que dizem que estudam, para que os pais fiquem felizes pensando que eles realmente estudam; e vamos embora para casa acreditando por vez ou outra que o ''mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes'', Deus salve Renato Russo.
Mas, desta vez decidi fazer o contrário, enviei exatamente as notas que eles tiraram na sala de aula, não dei ponto de conceito, não olhei caderno, não olhei para os olhos de ninguém, apenas enviei as notas para a secretaria. Então, como já era esperado, não demorou muito e fui chamado na coordenação. Como um verdadeiro tribunal da inquisição, pediram que eu assinasse um livro ata, de capa preta, igual aqueles que os alunos vândalos assinavam quando eu estava no colégio, onde num texto gigantesco dizia que eu assumia meu ''atestado de incompetência'', por não ter ensinado a matéria de forma correta para os alunos, não ter dado chance para que eles tirassem notas boas, e não ter dado aula no período que compreendia o primeiro bimestre deste ano letivo.
Após ler cada um das linhas, para desespero das mulheres que me olhavam na sala da inquisição, eu levantei a cabeça e perguntei:
_ Por que tenho que assinar isto?
_ Porque você deixou muitos alunos com notas vermelhas, e você vai responder por isso.
_ Não vou, tenho todas as provas guardadas comigo. Por que tenho que responder se eles não estudam?_ indaguei.
Uma das mulheres então respirou fundo, e me disse:
_ Existe uma lei estadual que culpa você por não ter dado nota azul para mais de cinqüenta por cento da sala.
Olhei para ela e perguntei:
_ Ótimo! Então por que você não colocou no texto da ata que eu devo assinar, o número da lei que estou sendo enquadrado?
Elas se olharam e me encararam.
_ Você está questionando a autoridade do Estado?
Sem dúvida alguma pensei que a inquisidora ia dizer ''igreja'' no lugar de estado; sem dúvida alguma era um tribunal da inquisição, na Espanha da idade média, comandado por Torquemada, o grande inquisidor. Mas eu não disse nada, apenas virei de costas e saí da sala onde elas estavam.
Será preciso a partir de então dar nota a todos aqueles que freqüentam a escola pública?
SIM
Será preciso não forçar mais atividades que levem o aluno a pensar de forma crítica, tendo em vista que a grande maioria não sabe nem o que significa FORMA CRÍTICA?
SIM
Será preciso manter todos com notas acima da média, para que eles possam brincar lindamente, enquanto seus pais trabalham pensando que eles estão estudando, para que assim que alcançarem um vestibular, tenham que se submeter a faculdades particulares, onde irão engordar os bolsos da burguesia; tudo isto por que não estudaram no ensino fundamental e médio, por isso torna-se impossível concorrer com aqueles que fizeram cursinho e tomaram suas vagas numa faculdade federal e estadual?
SIM
Será preciso camuflar boletins para que nós professores não sejamos chamados de incompetentes em todas as letras, tendo em vista que a realidade na sala de aula não condiz em nada com qualquer trabalho dito difícil existente por aí?
SIM
Sendo assim, sejam bem vindos alunos, a escola é de vocês... Brinquem, pulem, ofendam, briguem e joguem muita bola, pois a nota de vocês estará garantida no final do ano, segundo a mentalidade de alguns, não a minha, que continuará a mesma.

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