O 18º Festival de Teatro de Curitiba começou. A classe de artistas da cidade ficaram super felizes, pois não aguentavam mais esperar por este evento, jornalistas de todos os cantos, ficaram super alegres, pois poderão cobrir um evento que teoricamente é para todos, enfim, muita gente ficando feliz, enquanto um outro tanto de gente nem sabe ao menos o que se passa por aqui. O que me levou a fazer este texto foi o fato de assistir a um programa de televisão e ver o jornalista dizer que ''tem gente na cidade que ignora o festival''. Aquilo foi a gota de sangue que faltava no dente do vampiro... As peças que estão se apresentando em Curitiba tem preços variados. Peças que tem no elenco estudantes de teatro, custam 20 reais, com as promoções oferecidas e as facilidades na compra, é possível encontrar alguma coisa a 10 reais. As peças com atores não tão conhecidos fora do meio artístico tem preços que custam em média 30 reais. Com uma carteirinha de estudande e afins, é possível pagar 15 reais. Peças que precisaram se deslocar de lugares longínquos até esta terra por hora gelada, custam em média de 45 reais a 60 reais, com carteirinha é possível pagar 22,50. E assim os preços vão subindo até alcançarem picos de 70, 80 e 90 reais em alguns casos mais famosos. No bairro onde eu moro, dito de periferia, não conheço ninguém que pague 50 reais para ver uma peça, só por que ali estará o ator ou a atriz da novela tal. E digo isto por conhecimento de causa, que não é falta de cultura por parte deles, é questão de prioridade. Alimento, contas, cultura... Quando o ser humano alcança a terceira palavra, o dinheiro já acabou. Então alguém pergunta, e o futebol? Não estou me referindo a estes, onde a lista de prioridades tem início no próprio esporte, refiro-me àqueles que não se importam muito com tais jogos.
As primeiras reportagens que saíram em relação ao festival de Teatro colocavam os valores do investimento na casa dos 3,5 milhões de reais. Que coisa, tanto dinheiro investido num evento tão grandioso, que metade dos bairros da cidade não sabe o que está acontecendo no centro. Não é de hoje que Curitiba privilegia o centro da cidade, afinal, é pra lá que vão os turistas, por isso aquele lugar é tão bem cuidado. Enquanto isso, que privilégios tem os moradores da Favela da Vila Esperança, os moradores do Campo do Santana, CIC, Osternak, os moradores da Cachimba, do Pirineus, Chapinhal e de tantos outros lugares que o resto da cidade nem sabe que existimos.
Por fim, e as peças de rua, que são de graça? Estas todos podem ver... Exatamente, são de graça mesmo. E não raramente tem dias da semana que apresentam até 5 peças na rua, mas onde? No centro da cidade. O cartaz do evento diz: ''Durante duas semanas a cidade será tomada por diversos espetáculos da Mostra Fringe, que reúne cerca de 300 montagens de companhias independentes de todo o país, e da Mostra Contemporânea, que terá 24 peças selecionadas pela curadoria do festival. O evento conta ainda com eventos paralelos como o Risorama, o Mish Mash e o Gastronomix''. No centro da cidade e ao redor dele, não na periferia. Nenhuma peça destas 300 montagens que aí estão, vem até os bairros mais afastados do centro. Hoje, enquanto eu almoçava na lanchonete do Net's Bar, na troca de um serviço para outro, vi uma reportagem onde o jornalista disse:
''_ Agora tem três peças acontecendo na cidade, e poucas pessoas estão por aqui, as que passam perto de onde está acontecendo o evento, ignoram completamente a apresentação.''
Será que alguém pode dizer a esta mulher que todos que passam por ali estão indo e vindo de um trabalho ou coisa parecida, caso contrário iriam parar, sem sombra de dúvida. Sorte dela que pode ver uma peça na rua enquanto trabalha. Quando o âncora perguntou à reporter onde ela estava, ela respondeu, ''no Largo da Ordem'', praticamente no coração da cidade. O bairro onde moro fica 43 minutos do centro da cidade, isto, indo de ônibus, se for a pé, consigo chegar lá em três horas. Na correria do trabalho, pois atuo na escala de prioridades que privilegia o alimento, não há como servir às peças que são oferecidas de graça a pessoas como eu, que, segundo os jornalistas, ignora o festival de Curitiba. Não é questão de ignorar, é questão de não ter tempo livre e nem dinheiro esquecido no bolso para tal privilégio. Em resposta a tais jornalistas eu poderia fazer-lhes a mesma pergunta, voltando para a minha realidade, enquanto eles dizem que tem gente na cidade que ignora o festival, por duas semanas, tenho o direito de dizer, que tem muita gente na cidade que ignora o lugar onde nós moramos, por mais de 50 anos.