''Quando acertamos ninguém se lembra, quando erramos ninguém se esquece''

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A ARTE DE SUPORTAR VIZINHOS

No lugar onde eu moro, inevitavelmente, tenho vizinhos. Nunca gostei de ter vizinhos, desde a infância, mas ao longo de minha existência esse sempre foi um problema inevitável. Quando eu era pequeno, e morava com meus pais, presenciei os maiores problemas com o vizinho do lado esquerdo, devido a um galho do pé de laranja que caía para o nosso lado do muro. Sempre que as laranjas nasciam, cresciam e insistiam em cair no nosso quintal, era aquela briga se a gente pegasse as frutas. O problema durou até meu pai aumentar o muro para sete metros de altura e o vizinho cortar o bendito galho do pé de laranja. Foram anos e anos de brigas e discussões por causa de algumas laranjas. As vezes eu pensava que minha família brigava por coisa pouca, mas mudei de ideia quando vi o vizinho da direita dar um soco no filho do vizinho da frente por que o moleque passou de bicicleta na calçada molhada, que havia acabado de ser lavada. Isso sim é brigar por coisa pouca, afinal, laranja é alimento, e alimento é vida. Enfim...

O tempo passou depressa e eu cresci, chegou a hora de morar com outras pessoas. E logo que fui para a faculdade, eu morava do lado de uma oficina. Era um inferno. Imagine uma cidade pequena, onde a melhor coisa do mundo para os moradores que ali residem, seja colher o que foi plantado na roça. E imagine agora que a pior coisa do mundo é ver sua máquina de colher alimentos quebrar. Imaginou? Então imagine como é um inferno morar do lado da oficina que conserta estas máquinas, no domingo de manhã, único dia que eu podia dormir até mais tarde, quando estava na faculdade; pois trabalhava durante a semana no período da manhã e da tarde, e estudava a noite.

Foram vários anos de brigas e discussões com aqueles homens que estavam sempre segurando uma chave de fenda na mão. Quando terminei a faculdade eles se mudaram de lá. Parece irônico, mas foi real.

Saí dali e fui morar em uma cidade maior. Sem dinheiro para alugar um local com silêncio, fui morar numa invasão. Os meninos da frente jogavam bola e faziam a porta da minha cozinha de gol. Era um inferno. Imagine você tentar ler, e uma bolada atrás da outra bombardear sua porta caindo aos pedaços durante o dia todo. Pensava eu: ''que goleiro de merda é esse que não segura uma bola''. Durante um ano eu briguei com aqueles moleques. Por vingança, a mãe de um deles jogava água por baixo da porta quando ela lavava a calçada da frente. Cansei de contar as vezes que acordei, e ao colocar os pés no chão, molhei as meias. Sim, eu durmo com meias.

Saí de lá e aluguei um quarto em uma casa grande, que ficava num bairro legalizado da cidade. A menina que alugava o cômodo pra mim era maconheira. Quando eu saía para trabalhar ela entrava no meu quarto para procurar alguma coisa de valor. Desta vez a situação era diferente, quando eu acordava nos domingos eu não molhava mais as meias ao colocar os pés no chão, mas sim, sentia o cheiro da erva invadir todos os ambientes da casa.

Por fim, saí de lá.

No lugar onde moro hoje consigo ter a visão, a audição e o olfato atacado por todos os lados. Escuto cachorros latirem dia e noite, barulho este que vem do vizinho da frente. Escuto choro de criança e palavrões que vem do vizinho da direita, e sinto o cheiro dos produtos de limpeza que vem do vizinho da esquerda. Na parte visual fico indignado com lixo no chão, portões abertos o tempo todo e um descaso com o espaço alheio. A falta de respeito é tão grande que começo acreditar que isso é muito normal quando se tem vizinhos.
Por fim, afogo minhas vontades medievais em remédios que me deixam calmo. Tento entender o que se passa na cabeça daqueles que se acham donos de tudo e não estão nem aí para os outros, e trabalho muito, muito mesmo, para um dia comprar todas as casas que me cercam; e fechá-las, para sempre; pois somente assim, não terei mais vizinhos.