No princípio nada era levado tão a sério, brincavam, conversavam, dançavam na sala, atiravam bolinhas de papel, quebravam as carteiras, arrebentavam com as cortinas, quebravam os vidros, batiam nas alunas mais indefesas e pouco a pouco conseguiram quebrar todas as lâmpadas do colégio. Algumas medidas foram tomadas, alguns alunos foram punidos, alguns pais foram chamados e até a polícia compareceu na escola. Passados dois dias do ‘’evento’’ tudo voltou a acontecer, e parecia que nada iria se resolver. Professores eram agredidos quando ‘’inventavam’’ de dar aula. Funcionários eram ameaçados e nada acontecia, porque os pais dos alunos mandavam na escola. E tudo continuou assim por um longo tempo, muito tempo, muito tempo mesmo.
Este é o meu relato, baseado no que vi e vivi na primeira escola que trabalhei. No ano seguinte, saí de lá e fui para outro colégio.
Neste outro ambiente, tudo novo e limpinho, pois a escola havia recentemente sido construída, o mundo parecia outro. Os alunos chegavam, entravam nas salas de aula, e assistiam às aulas com interesse. Liam o que os professores pediam para ler e faziam todos os exercícios propostos. O mundo era realmente lindo. Tudo isso durou até o dia em que um Juiz determinou que os menores infratores da região deveriam estudar ali, foi então, que o pesadelo começou novamente.
Todos os dias tinham cinco brigas no colégio, gangues entravam pelo muro dos fundos, drogas eram vendidas nos banheiros, os pais mais desesperados corriam tirar seus filhos de lá e matriculavam em escolas muito longe daquele lugar, muito longe mesmo. O tempo passou, nenhum professor ou funcionário morreu, mas muitos foram agredidos, carros foram depredados no estacionamento e o mundo agora novamente parecia outro inferno, o inferno na terra.
O pior não era sofrer tudo isso dentro de uma escola, e no fim do bimestre receber alguns pais, armados com garfo e faca, prontos para te devorar o fígado, o pior, era entrar no ônibus para ir embora e ouvir as mesmas senhoras usando brinco de prata te encarar e dizer: ‘’coitado, ele é professor’’.
Professor neste país virou sinônimo de coitado. Quando ele é massacrado em sala, ele é um coitado. Quando ele faz greve pedindo maiores salários, ele é vagabundo. Quando o filho daquele pai mal humorado passa de ano, o professor aprovou ele para se livrar do problema. Quando o filho daquele pai mal humorado reprova de ano, o professor não presta. Quando ele entra na sala e a turma fica em silêncio, ele é carrasco. Quando ele entra na sala e a turma quebra tudo, ele não tem domínio. Quando o aluno aprende algo, é por que ele repetiu a mesma coisa o ano inteiro. Quando o aluno não aprende nada, ele não tem metodologia. Quando o professor não desenvolve nenhum projeto na escola, ele é acomodado. Quando ele desenvolve algum projeto, está querendo aparecer. Quando ele tira os alunos da sala para realizar uma aula diferente, ele ta enrolando. Quando ele fica só na sala, e não sai pra nada deste mundo, ele é muito tradicional. Quando ele dá meio ponto para o aluno ser aprovado, ele menosprezou o seu trabalho, ‘’onde já se viu, o aluno tem de estudar, e não ganhar nota de graça’’. Quando ele tenta reprovar o aluno por meio ponto, ele não vale nada, é um lixo, ‘’o que que tem dar meio ponto para o aluno passar de ano? Não custa nada’’.
Esperei um bom tempo e pedi novamente transferência para outro colégio. O atual, onde trabalho hoje. Em meio a este primeiro ano de trabalho no novo ambiente, tudo transcorre normalmente. Não as mil maravilhas, mas de uma forma normal.
Normal na atual situação é considerar pai e mãe indo até a escola, por que você pediu para o filho dele ler um livro e ele não achou o livro. Se por acaso eu tivesse sugerido a leitura da Bíblia do Rei Jorge, em Latim, isto faria sentido, mas o pedido fora: ‘’leiam qualquer livro da literatura brasileira, cujos volumes estão em nossa biblioteca’’, enfim.
E por que não desisto de tudo isso e faço outra coisa na vida? Por que eu gosto de ensinar. Gosto de ver uma criança, um jovem, ou um adulto, que entra na Educação de Jovens e Adultos, crescer intelectualmente. Aprender a interpretar textos. Aprender a contar os números. Aprender quem são eles mesmos, e de onde vieram. Gosto de transmitir o pouco que li e aprendi até hoje e gosto de vê-los melhorar dia a dia. E nesta profissão que escolhi, a recíproca não é nem um pouco verdadeira; pelo menos não nas escolas que trabalhei e trabalho.
No dia dos professores não esperei homenagem, abraços, ou mesmo um parabéns dos meus alunos, isso não existe no mundo que eu trabalho. Recebi apenas os cumprimentos de dois grandes amigos, fora da escola, longe de lá, bem longe, num lugar onde eu nem me lembrava que sou professor. Na escola recebi outro tipo de homenagem. Logo que entrei na sala de aula, na primeira aula da manhâ, no dia 15 de outubro de 2010, dia do professor; peguei o giz e comecei a explicar o assunto que estamos estudando. Ao observar que um dos alunos estava com um fone no ouvido, pedi com educação para que ele retirasse aquele objeto da orelha.
_ Por favor, retire o fone e guarde._ solicitei.
O aluno me olhou e disse:
_ Vai tomar no seu cu.
Enfim, parabéns para todos nós professores que temos de agüentar isso em sala, e por pior ainda, agüentar o setor pedagógico dizer que ‘’ele não fez por mal... Ele não queria dizer aquilo’’... Mas disse, em alto e bom tom.