''Quando acertamos ninguém se lembra, quando erramos ninguém se esquece''

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Diário da IDADE DA PEDRA registrado no papel

O aluno entra na sala, acomoda-se em sua carteira, olha para o professor, e o professor faz um sinal, utilizando-se de caneta azul ou preta, no nome daquele aluno indicando que ele ali está, ou seja, não faltou à aula. Assim também acontece quando este aluno tira uma nota em uma prova, num trabalho, ou até mesmo comete alguma alteração no ambiente escolar. Tudo é registrado ali. O controle de presença é feito numa coisa que alguns chamam de Diário de Classe, e outros chamam Livro de Chamada, em resumo, o fim é o mesmo.
Eis então que o professor termina a primeira parte do livro. Ele cometeu um único erro, um deslize, afinal, é um ser humano como qualquer outro. Mas, não tem perdão. Parece que neste momento imagino um inquisidor olhando para os olhos do professor e falando com a boca cheia de fogo: ''Você cometeu um erro professor, e isso não pode ficar assim, por isso, irá refazer tudo que fez de errado até agora... Ou melhor, irá refazer todo o seu trabalho, para que não erres mais, e um detalhe, sem rasuras, se não fará de novo''. E desta forma, o professor passa o livro a limpo. Alguns se negam a fazer o que fora pedido, outros compram briga, e tem ainda aqueles que fazem sem reclamar. No final, como sempre acontece, alguma força do além aprova boa parte dos alunos que estão frequentando a escola, e estes livros, chamados de diários de classe, são arquivados num porão sujo, cheio de coisas estranhas indo e vindo o tempo todo.
Não quero dizer aqui que o registro não é importante, claro que é, mas não da forma como é feito. Se o coitado do professor preenche um x torto, ele deve pagar por isso? Que estranho, por que o mesmo não acontece com as centenas de milhares de alunos que escrevem coisas erradas por aí? Se temos uma constituição que diz termos direitos iguais, talvez então esteja na hora de começar a aplicar estes direitos, ou o professor não tem o direito de errar também?
Voltando ao raciocínio do erro. O professor errou. Existem milhares de formas de arrumar aquele erro, mas não, nenhum deles é eficiente para quem vê tais livros. O erro deve ser ignorado e pago com a exclusão daquele Diário de Classe. O professor deve deixar de lado seus estudos, suas leituras, suas tarefas fora da escola, suas atividades dentro da escola, para passar o livro a limpo. No fim, entrega-se este mesmo livro para alguém, e este alguém, com todo cuidado do mundo, coloca num porão sujo, para que ele cumpra seu prazo de vida de cinco anos inúteis.
A pergunta que não quer calar, por que em outros colégios, também pertencentes ao Estado do Paraná, que estão nos centros das grandes cidades, este sistema chamado por muitos de arcaico, não é mais utilizado? Não há resposta. Alguns diriam, eles implantaram o que acharam mais fácil. Claro, seria o mais óbvio, mas e nós que estamos na periferia? Por que não implantamos o que achamos também ser mais prático e rápido? Porque não podemos, é a resposta. Os diários são enviados para a escola, e informações de como preenchê-los surgem de cinco em cinco minutos nos e-mails do colégio. Corre-se o risco de escrever uma informação a caneta, ao meio dia, e ver seu livro ficar errado as 13 horas, pois uma nova informação desmentindo aquela anterior acabara de chegar. A partir de então, eis que o professor deve arrumar o ''seu'' erro. Como é comum nas escolas, a culpa é do professor, sempre. Se o aluno não estuda, o professor não ensinou. Se o aluno não entende, o professor não sabe explicar. Se o aluno não entrega trabalhos, o professor está pressionando e perseguindo ele. Se o aluno quebra o colégio, o professor não cuidou dele da forma correta. Se o aluno interrompe a aula o tempo todo, o professor não o motivou. Se o aluno bate no amigo, o professor não separou os dois. Se o aluno mata outro aluno, o professor não percebeu que ele tinha algo suspeito e perigoso na bolsa. Se um aluno agride ao professor, o professor o irritou. Se o professor agride ao aluno, ele é exonerado e o aluno continua na escola, contando vantagem na hora do recreio, como sendo o ''tirador'' de professores ''malas'' daquele lugar.
O Diário de Classe além de custar uma boa quantia de dinheiro para o Estado, é uma perda de tempo para a vida do professor. Tanto pela burocracia do seu preenchimento, como pelas informações registradas ali. Quem garante que uma nota, uma falta, um conteúdo não pode ser manipulado? Ninguém. Por isso não vejo lógica em tanta preocupação para nada. Talvez seja esta ''preocupação'' excessiva que dê sentido à vida de tantas pedagogas e pedagogos infiltrados entre nós.
Em um dos maiores colégios do Estado do Paraná o Diário de Classe na forma como conhecemos inexiste. O que existe é uma pasta, com referência para cada turma, e dentro desta pasta, uma folha de papel sulfite para cada professor. Ali o professor coloca as marcas de presença, os conteúdos e a nota que determinado aluno tirou. Sem maiores problemas. Na hora de entregar as notas na secretaria, apenas destaca o canhoto com as notas, e para lá o conduz. Pronto, ninguém passou mal, ninguém precisou discutir por não querer passar nada a limpo, e no fim o Estado saiu lucrando neste colégio, pois ao final do ano, terá arquivado quatro folhas de papel sulfite para cada disciplina, a um custo muito baixo. Em tal colégio, a cada bimestre o professor utiliza uma folha para seu registro de aula. Bem diferente das montanhas de livros arquivados em lugares estranhos nos demais colégios espalhados por aí. Do que adianta economizar com alguns, e não facilitar a vida de outros? No final de tudo isso... Viva os direitos iguais.