''Quando acertamos ninguém se lembra, quando erramos ninguém se esquece''

quarta-feira, 16 de março de 2011

o barbeiro CHAVIER

Como acontece todos os meses, quando meu cabelo cresce além da conta, eu vou ao barbeiro. Tenho um velho costume de ir sempre no mesmo profissional, não gosto de ficar mudando, indo de vez em quando em um, e de vez em quando em outro, isso não me parece muito seguro para os cabelos. Também não tenho costume de ir naqueles novos cabeleireiros que existem por aí, daqueles que ele lava até os dedos do seu pé antes de começar o trabalho, não gosto disso, e também não gosto do preço. Pagar muito dinheiro para cortar cabelo me parece coisa de fuinha. E eu não sou fuinha, pelo menos é o que diz o meu Registro Civil.
Indo direto ao assunto, fui ao barbeiro. Um senhor de idade, que tem suas instalações no mesmo lugar há vários anos. Gosto de ir lá por que só encontro velhinhos, senhores de muita idade, e eu gosto muito de conversar com estas pessoas, pois aprendo pra caramba sobre como é viver. Além do quê, não preciso pagar absurdos para cortar o cabelo.
Eu estava lá, esperando para ser atendido, olhando uma revista em um momento, e conversando com um dos senhores em outro momento, quando chegou a minha vez. Acomodei-me na cadeira e esperei pela toalha que cobriria minha roupa, protegendo-me dos fios de cabelo cortados. Não demorou e a toalha chegou. O barbeiro, conhecido como Chavier me perguntou como eu queria o corte. Expliquei-lhe. Logo que ele realizou a segunda tesourada no meu cabelo um homem estranho apareceu na porta da barbearia. Olhou para todos que ali estavam e disse em tom de embriaguez:
_ ''Eu não quero incomodar vocês, mas é o seguinte, eu tenho Aids, preciso de dinheiro para comprar camisinha e não tenho dinheiro; e eu não quero passar Aids para as mulheres que eu saio, então eu quero dinheiro para comprar camisinha''.
Chavier olhou para mim e para o outro senhor que lá estava. Encarou o homem que estava na porta e falou:
_ ''O que eu tenho a ver com sua vida, suma daqui''.
O homem, nervoso e embriagado, gritou:
_ ''Eu quero o dinheiro para comprar camisinha''.
Chavier enfiou a mão por baixo do seu jaleco e retirou uma faca de churrasco de dar medo em qualquer um. A faca, com cabo de marfim e um detalhe na lâmina assustou nós três que ali estávamos, eu, o velho sentado e o bêbado. O barbeiro apontou a faca para o homem que estava na porta e gritou:
_ ''Quando eu vender esta faca aqui, daí eu te arrumo o dinheiro''.
O homem não pensou duas vezes e sumiu da porta da barbearia. Como se nada tivesse acontecido, Chavier guardou a faca de volta na bainha que tinha presa a cintura, embaixo do jaleco, e conversou comigo em tom de voz calmo e compassivo:
_ ''Cada tipo de gente que me aparece aqui, você não acha?''
Na mesma hora eu concordei com ele. Quem seria eu para dizer o contrário. Mais algumas tesouradas no meu cabelo e ele voltou a tocar no assunto, relembrando um fato ocorrido há poucos dias com ele, naquele mesmo consultório.
_ ''Imagine, dias atrás veio um homem aí precisei pegar o ferro para tirar ele daqui. Ficou até um pouco de sangue ali no chão''.
_ Ferro?_ eu indaguei com a voz trêmula.
_ ''Este ferro''._ Chavier retirou um monstro de um ferro de trás da porta de entrada e me mostrou. Na mesma hora o velhinho que estava esperando para cortar o cabelo levantou e saiu pela porta, indo embora.
O corte de cabelo continuava, agora estávamos somente em duas pessoas lá dentro, eu e o barbeiro Chavier, com um detalhe extra, eu estava desarmado. Não demorou muito e o pior aconteceu, com a mão trêmula anunciando o mal de Parkinson que está por vir, o barbeiro descuidou da ponta da tesoura e desviou o corte, tirando-me um pouco de sangue da cabeça, num pequeno ferimento feito próximo a orelha. Fiquei quieto. Ignorei a dor, como se nada tivesse acontecido. Quem seria eu para falar sobre aquele cortinho ridículo na minha pele?
Ao final do corte ele perguntou com voz grossa: ''Gostou?''
E quem seria eu para não concordar? Mesmo se ele tivesse me deixado careca, eu balançaria a cabeça enquanto ele segurava o espelho atrás de mim e diria com voz trêmula:
_ Ficou muito bom seu Chavier, muito bom mesmo, o senhor é muito bom...
Bem, nem tanto assim, caso contrário ele poderia desconfiar e levar aquilo como deboche. Saí de lá e fui pra casa correndo, com o cabelo cortado, a pele sangrando, e um recente medo de faca de churrasco...