Era quinta feira a tarde. Eu caminhei 19 quarteirões até alcançar as portas metálicas de uma loja de conveniências próxima a rodovia movimentada que leva os carros para fora da cidade. Entrei no lugar pisando de leve no chão emborrachado. Caminhei pelo interior da loja até encontrar os produtos que eu queria. Dois copos, um prato de zinco, um cobertor de fibra e um tapete feito de semente de mamona. Com todos os utensílios nas mãos, fui para os caixas. Logo que cheguei na pequena fila de pagamento, acomodei o tapete de semente de mamona embaixo do braço e ali fiquei a mercê da agilidade do operador da caixa registradora. Não demorou muito e o homem que estava na minha frente foi atendido. Pagou os 13 patinhos de porcelana que ele havia comprado e começou a embalar tudo. Até que enfim era a minha vez. Quando realizei o primeiro passo em direção ao homem atrás do balcão, a vendedora que havia me vendido o tapete veio correndo na minha direção gritando: ''moço, moço, moço, este tapete é mais barato e de melhor qualidade, então leve este e não este outro que você tem nas mãos''. Todo mundo ficou olhando pra mim, não querendo contrariar a vendedora, andei até ela e troquei os tapetes. Agradeci e voltei para a fila do caixa onde eu estava. Para minha grande surpresa, um casal de espertinhos entrou na minha frente com um monte de produtos nas mãos. Como se ele fosse o dono do lugar, me olhou com desprezo e cumprimentou o homem atrás do balcão. Não deixei barato e falei em alto e bom som:
_ O problema desta cidade são os seres humanos mal educados que não respeitam aqueles que chegam primeiro na fila.
Na realidade peguei um pouco mais pesado no final da frase, mas isso não vem ao caso agora. A mulher cutucou o braço do homem, o homem me olhou e a ouviu, resolvendo desta forma sair do lugar onde estava e me deixar passar a frente. Ótimo, seria um gesto louvável se ele não ficasse me provocando a fim de promover uma briga dentro da loja. Logo que passei a frente dele, agradeci e tive de ouvir ele falar:
_ Você nem estava na fila. Não sei por que eu deixei você passar. Vai ficar reclamando, você nem estava na fila.
Comecei a passar meus produtos pela máquina que calcula os preços e ele continuou falando.
_ Posso colocar minhas coisas aqui em cima do balcão ou você vai reclamar disso também?
Continuei olhando pra o vendedor e passando meus produtos enquanto o cretino não calava a boca.
_ A pessoa gosta de chamar os outros de mal educado, mas ele mesmo não tem educação nenhuma. Ele nem estava na fila. E vai querer brigar comigo por que eu estava na fila.
Eu estava quase pegando o prato de zinco e dando na fuça do infeliz quando o cara do caixa me falou o valor que eu deveria pagar. Paguei e enquanto embalava minha compra, o desgraçado continuava falando na minha orelha.
_ Tem gente besta nesse lugar que acha que pode tudo, ele nem estava na fila, e ficou falando que eu sou mal educado. Como tem gente besta nesse lugar. Será que eu não posso ficar aqui perto do caixa por que ele vai ficar reclamando disso também.
Com o sangue coagulando na ponta dos meus dedos, fechei a mão, virei de costas e fui embora. No trajeto até minha casa descobri que a tolerância me salvou nesse caso. Foi somente a tolerância que me permitiu aguentar um imbecil daquele falando no meu ouvido. E como isso terminou? Terminou de forma estranha, mas valendo o direito daquele que estava primeiro na fila sendo atendido, do espertinho quebrando a cara porque não conseguiu passar por cima de mais um trouxa que ele encontrou no caminho, e de uma vendedora competente que segue o seu cliente até os confins da loja, fazendo-o levar para casa o tapete que realmente gostou, ou seja, o mais barato, e não aquele 12 reais mais caro e de menor qualidade, só pra ganhar uma comissão felpuda. Pelo menos alguém ganhou créditos com Deus nesta história toda.