Bruno está em pé, na frente da pia, preparando seu ‘’café da manhã’’, às cinco horas da tarde, ou dezessete horas como dizem os mais tradicionais. Olha para a geladeira e encontra um pote de manteiga. Sem pensar no que aquilo pode acarretar em seu organismo, prepara toda a alimentação com tal quantidade imensa de gordura.
O arroz que cozinha na panela e o feijão que cozinha na pressão não lhe permitem ouvir o toque da campainha. Ao cessar o toque eletrônico o barulho do telefone lhe chama atenção. Sem demora atende ao aparelho.
_ Pronto, é o Bruno.
_ Papai, abre a porta, estou aqui na frente._ diz sua filha.
O homem comenta enquanto coloca o telefone no gancho:
_ Juventude retardada! Seria bem mais fácil usar a campainha.
Caminha com lentidão até a porta de entrada. Gira a maçaneta e deixa sua parenta entrar. Ao entrar na casa a mulher lhe abraça com força. Feliz em vê-la, diz Bruno:
_ Chegou num ótimo momento, estou com a comida no fogão, vamos comer?
_ O senhor não quer ajuda?
_ Quem disse que não? Coloque os pratos na mesa. Vamos almoçar ao mesmo tempo em que tomamos café da manhã.
_ Almoçar? Café da manhã? Papai são dezessete horas. Está na hora do jantar.
_ Você quer jantar então?_ pergunta o homem.
_ O que o senhor estava fazendo até agora?_ indaga a mulher.
_ Dormindo. E quando a gente acorda de um sono profundo, tomamos café da manhã.
_ Entendi, então vamos almoçar. Deixamos o café e o jantar de lado e optamos pelo meio termo._ a moça não o contraria.
A mesa é arrumada e o alimento é ali colocado. Os dois se servem e conversam sobre coisas em comum. Durante a refeição dialogam sobre saudades, problemas cotidianos e solidão. Em um dos pontos da conversa a mulher pergunta a ele sobre sua mãe.
_ Não tenho visto ela. Deve estar bem._ responde o homem.
_ Ela não entrou mais em contato com o senhor?
_ Não, nunca mais. Deve estar bem. Na verdade, eu nem sei por onde ela anda. Mas, ela deve estar bem... Ela sempre esteve bem, nunca a vi de forma errada no mundo.
_ Acredito que não. Mamãe não dava o braço a torcer._ a mulher usa uma expressão conhecida.
_ Quem fez a opção foi ela. Eu não tenho nada a ver com isso. Eu estou aqui. Quando ela quiser voltar é muito bem vinda.
_ Papai, não fique criando esta expectativa. Ela provavelmente não vai voltar mais._ diz a mulher.
_ Letícia. Não diga mais isso. Por favor._ o homem responde com lágrimas nos olhos.
Ao perceber que fez algo de errado, a mulher levanta do lugar onde está e caminha até seu pai. Olha para ele e observa as roupas que está vestindo. Evita fazer qualquer comentário a respeito do assunto e começa a desconfiar de algo. Ajoelha-se aos pés de seu pai e olha nos olhos dele. Não diz nada, apenas contempla seu semblante sofrido. O homem também não diz uma única palavra. Sem pensar duas vezes a mulher faz um gesto com os braços, iniciando um afago. Sem demora, os corpos se aproximam. Os dois se abraçam enquanto a filha se desculpa. O homem começa a chorar. A mulher não sabe o que fazer. Preocupada com a reação de seu velho, levanta do lugar onde estava. Caminha até o quarto dele a procura de algum remédio. Logo que entra no quarto do homem encontra inúmeros cones amontoados no canto do cômodo.
_ Papai._ grita.
Não demora muito e o homem está em pé na porta de entrada do seu quarto de dormir.
_ O que houve?_ diz enquanto enxuga os olhos usando a manga da camisa que veste.
_ Por que estes cones estão aqui?
_ Eu preciso guardar para as mulheres, é apenas um favor._ responde com a voz trêmula.
A mulher o encara, respira fundo e desabafa:
_ Eu não acredito nisso! Tudo está igual como era antes. Você não alcançou melhora alguma. Entendeu agora qual é o problema aqui?
O homem não tem coragem de olhar nos olhos da mulher. Apenas encara o soalho sem encarar sua filha.
_ Entendeu agora? Entendeu agora por que a mamãe não vai mais voltar. Não posso mais ficar aqui, isso é um absurdo sem precedentes.
Sem olhar para seu pai, a filha vira de costas, sai pela porta da casa e vai embora.