''Quando acertamos ninguém se lembra, quando erramos ninguém se esquece''

sexta-feira, 22 de abril de 2011

22 de abril - DIA DE CABRAL

Quem foi PEDRO ÁLVARES CABRAL? Perguntou um aluno. Joguei a pergunta para a sala de aula, e recebi várias respostas. Foi aquele que descobriu o Brasil, disse um aluno. Foi aquele que proclamou a repúbllica, gritou outro. Foi aquele que fez a rua de trás da escola (coincidentemente a rua de trás da escola se chama RUA CABRAL), falou a maioria. Cabral!!! Aprendi ainda quando estava na escola, que Cabral tinha sido o cara de sorte, que vindo de uma família de nobres, conhecido dos grandes figurões da corte, conseguiu ter a sorte de navegador com várias centenas de pessoas, tomar posse de uma terra pouco conhecida por sua gente, e ainda ir para as Índias comprar especiarias. Mas, um livro lançado recentemente explica em caráter biográfico quem foi este ''tal de Cabral''. O livro é do jornalista gaúcho Walter Galvani que, enfim, escreveu um livro que deu contornos mais definidos ao perfil do navegador português. Depois de cinco anos de pesquisa, lidos mais de 300 livros relacionados ao Descobrimento, Walter finalizou a primeira biografia do descobridor. Foram seis meses em Portugal, conhecendo os lugares por onde Cabral passou e vasculhando velhos arquivos, como o da Torre do Tombo e o Ultramarino, os dois em Lisboa. Galvani também percorreu os países Espanha, Itália e França, conferindo documentos desgarrados. Com lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. o trabalho revela um Cabral de carne e osso, muito mais admirável e interessante do que se imaginava. Famoso por suas crises de mau humor, Cabral desentendeu-se com todo mundo que importava em seu tempo. A começar pelo próprio rei, passando por aquele que se acredita ter sido o maior de todos os navegadores portugueses, Vasco da Gama. No quesito “sorte madrasta” entra a verdadeira tragédia em que se converteu sua viagem às Índias, a mesma em que daria o nome de ILHA DE VERA CRUZ a esta terra que hoje habitamos. O navegador partiu de Lisboa com destino à Índia com treze navios e retornou com apenas seis. Os azares renderam má fama a Cabral, e isso não era bom para sua reputação de navegador. O resultado: logo depois de voltar de sua viagem, o navegador ''brigão e desafortunado'' partiu para um exílio voluntário em Santarém e caiu no esquecimento. Para piorar, as novas terras que ele balizara como Ilha de Vera Cruz não teriam serventia para Portugal durante várias décadas.
“Os portugueses tinham mais interesse na Ásia do que na América”, afirma o historiador José Jobson de Andrade Arruda, da Universidade de São Paulo. E aí vem, de novo, o fado cabralino, segundo citou Paulo Alexandre em seu blog: quem encontrou o caminho marítimo para a Índia, de onde provinham as especiarias que rendiam lucros à coroa, foi Vasco da Gama, justamente o maior adversário do nosso descobridor.
Criados juntos na cosmopolita corte lisboeta de então, Cabral e Gama tiveram formação muito parecida. Ambos estavam animados pelo forte espírito português que se sucedeu a cinco séculos de domínio muçulmano do país. “Era natural que os dois disputassem o comando das grandes armadas”, conta Galvani. Em uma minuta de 1499, que preparava a expedição que viria a tomar posse daquilo que seria tempos depois o Brasil, consta o nome do comandante-mor da frota: Vasco da Gama. Vasco da Gama? Mais tarde, esse nome seria riscado e substituído pelo de Cabral, naquele tempo conhecido como Pedro Álvares Gouveia. Apenas ao primogênito de cada família era dada a honra de usar o sobrenome paterno, e neste caso, Pedro Álvares era o segundo filho. Foi só na carta que dom Manuel escreveu aos reis da Espanha, que o sobrenome “Cabral” foi associado ao descobridor do Brasil.
Walter Galvani coloca como desgraça o auto-exílio de Cabral em Santarém, ocorrido logo após realizar sua maior façanha, possivelmente foi produto da antiga rivalidade com Vasco da Gama. Enquanto o navegador ainda percorria águas indianas, depois de descobrir o Brasil, a corte lisboeta já organizava uma nova frota a ser comandada por Cabral. Com catorze navios, seria ainda maior do que a enviada para confirmar a existência da terra do pau-brasil. Mas Vasco da Gama ficou encarregado de organizar a empreitada, desta vez destinada apenas à Índia. Gama selecionou os marinheiros e escolheu os capitães de sua confiança. Ainda por cima, nomeou o irmão de sua mãe, Vicente Sodré, para comandar cinco dos navios da expedição. Sodré vigiaria a entrada do Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, vias de acesso dos árabes ao Oriente. Enquanto isso, os outros nove navios, sob o comando de Cabral, seriam abastecidos com especiarias. Mas Cabral não aceitou dividir o comando da nova expedição com o tio de Vasco da Gama. Passados quatro meses de impasse, em dezembro de 1501 a recusa oficial foi encaminhada. Nesse momento, Cabral caía em desgraça. Se fosse um documentário, poderia ser acusado pelos críticos de plantão como plágio do último documentário de Ayrton Senna, onde a rivalidade Senna e Prost conduzem o fio da história.
A explicação para a atitude suicida pode estar no relato de um dos maiores cronistas quinhentistas portugueses, João de, Barros, para quem o ''descobridor do Brasil'', colocado assim por Paulo Alexandre em seu blog; era homem de “muitos primores de honra”. O significado mais forte da palavra “honra” estava associado à ideia de um sentimento de dignidade com brios. Cabral tinha motivos para não aceitar dividir o comando da expedição. Não foram pequenos os serviços prestados por ele a Portugal. Sua expedição de 1500 foi a primeira de caráter comercial a chegar à índia. Vasco da Gama chegou antes, levou a fama, mas conseguiu apenas se indispor com o governante de Calicute, a mesma cidade que Cabral canhoneou quando esteve por lá. Só quando Cabral estabeleceu a feitoria em Cochin, no sul da índia, é que a rota se tornou lucrativa.
Tais façanhas, no entanto, não comoveram o rei. Cabral mudou-se para Santarém no final de 1502 e não recebeu mais notícias da corte. No ano seguinte, compareceu a uma reunião da Ordem de Cristo, a organização religioso-militar que financiava as grandes navegações. Há quem aponte o fato como uma tentativa de reaproximação, já que dom Manuel presidia o encontro. Não surtiu efeito. Anos mais tarde, Cabral escreveu ao rei pedindo a “renovação dos privilégios de fidalgo”, em outras palavras, cita-se Paulo Alexandre, desejava abandonar o exílio voluntário e servir a Portugal novamente. Recebeu uma resposta encorajadora, em que o monarca dizia que a carta do navegador “lhe fez prazer”. Mas nada aconteceu.
Em 1514, Afonso de Albuquerque, governador da Índia e tio de Isabel de Casco, mulher de Cabral, escreveu ao rei pedindo que ele pusesse fim ao afastamento do navegador. Teceu grandes elogios ao descobridor, a quem chamou de “mui bom fidalgo”, “merecedor de honras”, e referiu-se a “sua bondade e cavalaria”. Apesar das recomendações de um dos homens mais importantes do império português, Cabral morreria dali a alguns anos sem voltar ao mar.
Não se sabe exatamente o que fez dom Manuel abandonar um de seus mais importantes navegadores, a quem havia recebido com festejos no retorno da expedição de 1500. “Talvez o rei fosse tão brioso quanto o próprio Cabral e nunca tenha aceitado a recusa do navegador em participar da nova expedição à Índia”, diz Galvani. A hipótese de que Cabral não passava de um nobre de poucos talentos é refutada pelos fatos. O descobridor foi apontado para comandar aquela que, até 1500, foi a maior armada já saída de Portugal. A frota que Vasco da Gama comandou até a índia, entre 1497 e 1499, não tinha mais que quatro navios. Dificilmente se colocaria tamanho aparato sob as ordens de alguém que não fosse externamente respeitado, inclusive como navegador, embora não existam provas de viagens marítimas suas anteriores ao descobrimento do Brasil. “Não se colocaria a vida de 1.500 homens nas mãos de alguém sem experiência”, cita Galvani.
Sem título nobiliárquico, a família de Cabral tinha terras, o que significava riqueza suficiente para freqüentar a corte. Aos 10 anos, Cabral e o irmão mais velho mudaram-se para Lisboa. Lá, aprendeu a manejar armas e a montar. Estudou geometria, astronomia, geografia, aritmética e latim. Passou a adolescência e o início da vida adulta no Castelo de São Jorge, aquele de onde os turistas têm uma ampla visão de Lisboa. Isso fez com que Cabral se inscrevesse no círculo íntimo do rei, o que certamente colaborou para sua indicação como comandante da expedição à Índia. Porém, nada comprova que tenham sido essas credenciais as únicas responsáveis por sua escolha para o comando da grande armada. Os ''Cabral'' estavam muito longe em prestígio e fama, por exemplo, dos nobilíssimos Bragança, que chegariam ao trono português mais tarde.
Foi na corte que Cabral conheceu Isabel de Castro, ela, sim, pertencente a uma das famílias mais importantes de Portugal. O casamento não pode ser considerado um golpe do baú, embora fosse movido por interesses, como era comum naquele tempo. “Pelo contrário. Há registros de que o próprio Afonso de Albuquerque, tio de Isabel, se teria preocupado em aumentar o dote da sobrinha, o que tornaria o casamento ainda mais interessante para Cabral”, conta Galvani. “É uma evidência de que ele era um fidalgo respeitável.” A data provável do matrimônio é 1503, ano que a chamada TERRA DE SANTA CRUZ receberia o nome de BRASIL. A vida do casal em Santarém limitou-se aos cuidados com as propriedades, o tempo dividido entre a casa na cidade e as quintas. Tiveram seis filhos. Cabral morreu possivelmente em 1520, aos 52 anos, talvez em conseqüência da malária contraída na África, sem que tenha realizado coisa alguma digna de registro nas últimas duas décadas de vida. Enquanto isso, seu rival Vasco da Gama recebia o título de “dom” e era consagrado “almirante”.
O descanso e o esquecimento de Cabral duraram quase três séculos e meio, quando historiadores brasileiros e portugueses começam a estudar o chamado descobrimento, que eu ainda prefiro chamar de tomada de posse, ou até mesmo achamento de uma nova terra. Seu túmulo, na Igreja da Graça, em Santarém, foi reaberto. Buscava-se confirmar se o corpo dele estava de fato enterrado ali. Era o início de uma viagem que parece estar finalmente chegando ao fim, como citou muito bem Paulo Alexandre: ''o descobrimento de Pedro Álvares Cabral''. Faltará apenas Camões para cantar-lhe as glórias, como sempre fizera comVasco da Gama.